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O desafio de apresentar tantos e tão diversos pontos de bordar esbarrou ainda numa acrescida dificuldade: o facto de todo o ensino ter sido feito, até há vinte anos atrás, em contexto familiar, no reduzido espaço doméstico ou vicinal, reduziu ao mínimo as necessidades de uma nomenclatura própria. Não era preciso nomear ou escrever nada (aliás muitas das bordadeiras seriam analfabetas – vejam-se os índices de analfabetismo das mulheres mais idosas): era só olhar e aprender a fazer com a ajuda da mãe, da tia, irmã mais velha ou vizinha.

É assim que a falta de um léxico específico que acolha, em Português, todos os diferentes pontos de bordar, se reforça, na Terra de Sousa, com o facto de uma larga maioria de pontos não ter sequer nome próprio. Além de um reduzido conjunto de pontos que conseguem individualizar pelo respectivo nome, para as bordadeiras todos os outros cabem, indiferenciados, em amplas categorias como espinhas, crivos, bainhas, pontos reais, pontos de fundo ou adamascados. No contexto do presente trabalho pediu-se a Emília Magalhães e a Ana Carolina Silva que fizessem todas as amostras de todos os pontos que conhecessem. Já o trabalho estava a ser desenvolvido foi-lhes sugerido que talvez devessem ficar pelos 150 pontos. Quando tal foi dito, riram-se e começaram a contar os pontos já feitos, um número que já ultrapassava os 180… mas estas mesmas bordadeiras são incapazes de individualizar, pelo nome, qualquer uma das espinhas ou crivos que bordam como ninguém!

Na apresentação de pontos de bordar existem três critérios possíveis de serem utilizados: podem-se ordenar por ordem alfabética do nome, podem-se organizar pelos contextos de utilização ou, ainda, podem-se apresentar pelas semelhanças técnicas e de execução.

O primeiro critério é aquele que, mais recentemente, tem vindo a ser utilizado, encontrando-se, sobretudo, em sites da Internet (4). O segundo critério, o mais comum, privilegia a função que, potencialmente, cada ponto desempenha na concretização de um determinado desenho. Nestes casos a apresentação dos pontos considera aqueles que são mais apropriados para contornos, cercaduras, a encher fundos, etc.
O principal problema nas classificações deste tipo reside no facto de um determinado ponto de contorno, como o ponto pé de flor ou o ponto de cadeia, poderem ser usados, se feitos em muitas carreiras encostadas umas nas outras, como pontos de fundo… ou seja, nem sempre é fácil definir a utilização mais directa de um ponto, pois quase todos os pontos podem ser utilizados em contextos muito distintos, tal como adiante se verá, exemplarmente, no Bordado de Terra de Sousa. No caso destas classificações também acontece que, geralmente, lhes sobram uns pontos, mais difíceis de arrumar…
Provavelmente, um dos melhores livros que existe, baseado neste tipo de critério, é o Mary Thomas's Dictionary of Embroidery Stitches. A primeira edição, inglesa, é de 1934, mas tem sido frequentemente reeditado, quer no Reino Unido quer nos Estados Unidos onde, em 2001 (Trafalgar Square Publishing), saiu uma das últimas edições. Também é neste critério que se baseia o já referido Dicionário de Pontos traduzido em Português.

O sistema mais interessante, porque mais lógico, é aquele que se fundamenta na técnica de execução, nos movimentos básicos que definem a concretização de cada ponto de bordar. Apelando a um critério de uma inequívoca racionalidade, torna a apreensão dos pontos mais clara, mais fácil, dando à potencial bordadeira toda a liberdade de os utilizar como melhor o entender. Talvez porque exija uma extraordinária compreensão da técnica de cada ponto, são mais raros os livros que o adoptam.

Um deles, e um dos mais antigos, é o de Mrs. Archibald Christie e serve de base ao grupo de trabalho constituído no âmbito do CIETA (Centre Internationale du Textille Ancien – Lyon) que, reunindo especialistas em têxteis, de museus de toda a Europa, está a organizar um vocabulário europeu para o bordado. O seu índice ilustrado está presente no site do CIETA (5). Um outro livro, mais recente e fácil de obter, Encyclopedia of Embroidery Stitches, foi publicado pela primeira vez nos Estados Unidos em 1974, tendo, a partir dessa data, conhecido sucessivas reedições (6).

Todavia, não pretende-mos substituir - passe o paradoxo - a um inexistente Manual de Bordados e, embora se considere importante e o mais razoável o critério da semelhança técnica, a apresentação dos pontos que aparecem no Bordado de Terra de Sousa far-se-á tendo em conta, sobretudo, a sua ocorrência, a frequência com que são utilizados o modo como lhe conferem uma inequívoca identidade. Enquanto a imagem e identidade do bordado produzido noutros locais vive da íntima associação dos motivos e padrões aos pontos em que estes são bordados, aqui é a própria utilização dos pontos em si mesmos que confere uma personalidade específica e singular a esta  produção.

É assim que, mesmo neste Bordado que varia (e bem) ao sabor das modas, é possível encontrar alguns elementos mais distintivos, que lhe dão carácter e que, num futuro processo de certificação, deverão ser trabalhados no sentido do reforço da sua expressão. Tal é o caso dos ilhós, das aranhas e das plantas e respectivos sombreados.

(4) Veja-se, por exemplo, o excelente site: http://inaminuteago.com
(5) http://www.annatextiles.ch/
(6) NICHOLS; Marion – Encyclopedia of Embroidery Stitches, including Crewel. Dover Publications, Inc. New York

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