Não é fácil apresentar os pontos de bordado feitos na área onde se produz o Bordado de Terra de Sousa. E não é fácil por muitas e variadas razões donde se salienta, em primeiro lugar, a dificuldade de o fazer em Português. Com efeito a análise das técnicas de bordar pressupõe o recurso a um vocabulário especializado, que contemple um conjunto alargado de pontos e que, ao mesmo tempo, seja universalmente reconhecido e utilizado! Ora tal não acontece no contexto da Língua Portuguesa, pois nunca existiu uma obra, suficientemente completa e organizada, que vertesse para Português os nomes dos mais de 300 diferentes pontos de bordar que se conhecem, devidamente inventariados e apresentados, consultando a bibliografia existente noutras línguas, nomeadamente em Inglês.
Mesmo os pontos mais comuns se apresentam, de região para região, com nomes diferentes. Para dar dois exemplos: na Madeira ninguém conhece o “ponto cheio” senão por “bastido” e o “ponto pé de flor”, que, em Tibaldinho, se chama “ponto de pé a fugir” ou ponto “a fugir”, em Viana do Castelo, “cordão” ou “ponto de haste”, na Madeira toma o nome de “ponto de corda”. Não surpreende assim que, sendo desta ordem as variações existentes em pontos tão banais, a confusão seja total quando se trate de pontos menos vulgares. Na origem deste problema encontra-se, pois, o facto de nenhuma das obras de referência que existem em Francês e em Inglês ter sido traduzida a tempo de influenciar o vocabulário português banalmente utilizado na actividade de bordar, situação que, entretanto, se alterou pois que, desde 2000, existe uma tradução de um Dicionário de Pontos da autoria de Lucinda Ganderton, editado pela Livraria Civilização Editora. Todavia a tradutora deste livro, perante o vazio lexical existente e sabendo pouco ou nada de técnicas de bordar, traduziu de forma literal, não aproveitando aquilo que, apesar de tudo, ainda se pode encontrar na Língua Portuguesa. Para dar um exemplo running stitch foi traduzido por ponto corrido. De facto em Inglês “to run” significa “correr”, mas o dito running stitch em bom Português chama-se, em contexto de costura, alinhavo e, em contexto de bordado, ponto adiante. Percebe-se, pois, que ainda não foi desta vez que o problema fica resolvido sem se aumentar a confusão. De qualquer modo, mesmo que aquela obra signifique um avanço relativamente à situação que se vivia, ainda não houve tempo de os seus efeitos (os bons e os menos bons…) se fazerem sentir.
Mas não foi só o facto de nunca ter existido em Português uma boa obra de referência que levou a esta situação, pois parte do problema reside naquilo que, entretanto, se foi difundindo: veja-se o caso da simpática e popular revista “Para Ti”, publicada mensalmente desde Agosto de 1952 e que, de número para número, dá, ao mesmo ponto, designações diversas (1) ou que dá o mesmo nome a pontos muito diferentes.
Mas outras razões existem ainda a dificultar a apresentação dos pontos usados no Bordado de Terra de Sousa. Em qualquer região produtora de bordado encontra-se, caracteristicamente, uma certa gramática decorativa, cuja especificidade é sublinhada pela correspondência, a cada motivo, de um determinado conjunto de pontos que realizam o respectivo bordado. Significa isto, a par com as exigências técnicas que muitos pontos colocam, que a regra geral nos centros produtores de bordado é ser bastante reduzida a panóplia de pontos empregues. Por exemplo, na Madeira, o maior e mais antigo centro produtor português e um dos mais prestigiados e conhecidos a nível mundial, o conjunto de pontos apresentado na melhor obra sobre aquele bordado identifica 19 diferentes pontos (2). Também em Tibaldinho foi detectado um número semelhante de pontos de bordar (3).
Já em Castelo Branco, onde se continua a produzir, em bastidor, um bordado especialmente rico, foram recentemente inventariados, nas peças históricas, 71 diferentes pontos, embora o conjunto de pontos que se tenha popularizado no seu relançamento, a partir dos anos 30 do século passado, seja, significativamente, mais reduzido.
Sendo esta a realidade mais comum, espanta duplamente o que se verifica na Terra de Sousa. Já houve ocasião de referir a profunda diferença técnica que esta área apresenta relativamente a todas as outras, quer nacionais quer estrangeiras. Nunca será demais sublinhar que é na sua diferente técnica de execução que radica toda a individualidade deste centro produtor. Não é que um determinado ponto, como por exemplo o ponto cheio não possa ficar igualmente bem feito sem o auxílio do papelão ou de qualquer outro tipo de bastidor, a questão não é (só) essa. A questão é que dificilmente se encontraria este mesmo ponto acompanhado por tantos outros ou servindo-lhes mesmo de base, na elaboração das difíceis composições que caracterizam o Bordado da Terra de Sousa, se não fosse essa circunstância.
A característica mais extraordinária do Bordado da Terra de Sousa diz assim respeito à manutenção de um alargadíssimo leque de possibilidades técnicas, mais de duzentos diferentes pontos, que as boas bordadeiras executam com bastante facilidade.
(1) No nº 140 de Março de 1964 aparece, num desenho, o esquema do “ponto de galo entrelaçado”; o mesmo ponto, aparece esquematizado no nº294 de Janeiro de 1977, agora com a legenda “ponto entrelaçado”. No nº 290 de Setembro de 1976 aparecem os desenhos relativos ao” ponto de recorte” e “recorte largo”. Passados três meses, no nº 293, relativo a Dezembro, os mesmos desenhos têm uma única legenda: “ponto de festão”…
(2) WALKER, Carolyn, HOLMAN, Kathy - The Embroidery of Madeira. The Union Square Press, USA, 1987.
(3) Bordado de Tibaldinho, Catálogo de Exposição, Museu Nacional do Traje com Câmara Municipal de Mangualde. Instituto Português de Museus, Lisboa, 1998.